Olho por olho , e o mundo ficará cego .











Mahatma Gandhi









Saber


Vi _Ver .



Friday, December 28, 2012

Violetas






















Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano ,
Vive uma louca chamada Esperança .
E ela pensa que quando todas as sirenas ,
Todas as buzinas ,
Todos os reco-recos tocarem ,
Atira-se .
E
_  ó delicioso vôo !

Ela  será encontrada miraculosamente incólume na calçada .
Outra vez criança ...  E em torno dela indagará o povo . . .

_ Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes ?
E ela lhes dirá [ É preciso dizer-lhes tudo de novo !  ]
Ela lhes dirá bem devagarinhoz , para que não esqueçam . . .
_  O meu nome   é    ES-PE-RAN-ÇA   . . .



Mário   Quintana

Saturday, December 15, 2012

Alfazema

















Falar do trigo e não dizer
o joio. Percorrer
em voo raso os campos
sem pousar 
os pés no chão.

Abrir  um fruto e sentir
no ar o cheiro
a alfazema.

Pequenas coisas ,
dirás , que nada 
significam perante
esta outra, maior . . .
dizer o indizível .

Ou esta . . .entrar sem bússola
na floresta e não perder o rumo .

Ou essa outra , maior
que todas e cujo
nome por precaução
omites.

Que  é  preciso , ás  vezes ,
não  acordar  o  silêncio .



Albano  Martins

Saturday, December 08, 2012

violetas















 

Falaram-me os homens em humanidade ,
Mas eu nunca vi homens nem vi humanidade .
Vi vários homens assombrosamente diferentes entre si .
Cada um separado do outro por um espaço sem homens .




 


Alberto Caeiro

Saturday, December 01, 2012

Alfazema



 

Nós nos tratamos com extrema cortesia ,
dizemos . . .  quanto tempo , que bom revê-lo .


Nossos tigres bebem leite .
Nossos falcões preferem o chão .
Nossos tubarões se afogam no mar .
Nossos lobos bocejam diante da jaula aberta .
Nossas cobras perderam seu lampejo
,
nossos macacos , sua graça ,
nossos pavões , suas plumas .
Faz tempo que os morcegos deixaram nossos cabelos .

Caímos em silêncio no meio da conversa ,
e não há sorriso que nos salve .
 
Nossos humanos
não sabem falar uns com os outros  .





Wislawa   Szymborska

Saturday, November 24, 2012

Violetas



















Este homem que entre a multidão
enternece por vezes destacar
é sempre o mesmo aqui ou no japão
a diferença é ele ignorar .

Muitos mortos foram necessários
para formar seus dentes um cabelo
vai movido por pés involuntários
e endoidece ser eu a percebê-lo .

Sentam-no à mesa de um café
num andaime ou sob um pinheiro
tanto faz desde que se esqueça
que é homem à espera que cresça
a árvore que dá dinheiro .


Alimentam-no do ar proibido
de um sonho que não é dele
não tem mais que esse frasco de vidro
para fechar a estrela do norte.


E só o seu corpo abolido
lhe pertence na hora da morte  .




 

Natália  Correia

Saturday, November 17, 2012

Alfazema


















E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmos só amor só solidão desfeita
Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar .




Mario  Cesariny

Saturday, November 10, 2012

Violetas

















Mas eu , em cuja alma se refletem
As forças todas do universo ,
Em cuja reflexão emotiva e sacudida
Minuto a minuto , emoção a emoção ,
Coisas antagônicas e absurdas se sucedem
Eu o foco inútil de todas as realidades ,
Eu o fantasma nascido de todas as sensações ,
Eu o abstrato , eu o projetado no écran ,
Eu a mulher legítima e triste do Conjunto  .


Eu  sofro  ser  eu  através  disto  tudo ,

 como  ter  sede  sem  ser  de água .




Álvaro de Campos

Saturday, October 20, 2012

Alfazema






















Que   medo   tenho
de   ir   perdendo   a   sorte
em   armários  de   gente  imperfeita . . .




António  Franco   Alexandre


Saturday, October 13, 2012

Violetas
















Realmente, vivemos muito sombrios !
A inocência é loucura .
 Uma fronte sem rugas  denota  insensibilidade .
Aquele  que  ri  ainda não recebeu a terrível notícia  que está  para  chegar .
Que tempos são estes , em que  é  quase  um  delito
falar de coisas inocentes.
Pois implica silenciar  tantos   horrores !
Esse que cruza tranqüilamente a rua
não poderá jamais ser encontrado
pelos amigos que precisam de ajuda ?

É certo . . . ganho o meu pão ainda ,
Mas acreditai-me . . .  é pura casualidade .
Nada do que faço justifica
que eu possa comer até fartar-me .
Por enquanto as coisas me correm bem
[ se a sorte me abandonar estou perdido]
E dizem-me . . .  Bebe , come ! Alegra-te , pois tens o quê !

Mas como posso comer e beber,
se ao faminto arrebato o que como ,
se o copo de água falta ao sedento ?
E todavia continuo comendo e bebendo .

Também gostaria de ser um sábio .
Os livros antigos nos falam da sabedoria ...
é quedar-se afastado das lutas do mundo
e , sem temores ,
deixar correr o breve tempo.
Mas evitar a violência ,
retribuir o mal com o bem ,
não satisfazer os desejos , antes esquecê-los
é o que chamam sabedoria .
E eu não posso fazê-lo .
Realmente , vivemos tempos sombrios.

Para as cidades vim em tempos de desordem ,
quando reinava a fome .
Misturei-me aos homens em tempos turbulentos
e  indignei-me  com  eles.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

Comi o meu pão em meio às batalhas .
Deitei-me para dormir entre os assassinos .
Do amor me ocupei descuidadamente
e não tive paciência com a Natureza .
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

No meu tempo as ruas conduziam aos atoleiros .
A palavra traiu-me ante o verdugo.
Era muito pouco o que eu podia.
Mas  os  governantes  se   sentiam , sem mim , mais seguros ,  espero.
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra.

As forças eram escassas .
E a  meta a chava-se muito distante.
Pude divisá-la claramente ,
ainda quando parecia , para mim , inatingível .
Assim passou o tempo
que me foi concedido na terra .

Vós , que surgireis da maré
em que perecemos,
lembrai-vos também ,
quando falardes das nossas fraquezas ,
lembrai-vos dos tempos sombrios
de que pudestes escapar .

Iamos , com efeito ,
mudando mais freqüentemente de país
do que de sapatos ,
através das lutas de classes ,
desesperados ,
quando havia só injustiça e nenhuma indignação .

E , contudo , sabemos
que também o ódio contra a baixeza
endurece a voz.

Ah , os que quisemos
preparar terreno para a bondade
não pudemos ser bons .

Vós , porém , quando chegar o momento
em que o homem seja bom para o homem ,
lembrai-vos de nós
com indulgência .





Bertolt    Brecht


Saturday, October 06, 2012

Alfazema


















Eu sou o caule
dessas trepadeiras sem classe ,
nascidas na frincha das pedras . . .

Bravias .
Renitentes .
Indomáveis .
Cortadas .
Maltratadas .
Pisadas .
E
Renascendo .

 


Cora Coralinda

Saturday, September 29, 2012

violetas






















Se
eu   morrer 
quero    que   a   minha   filha   não   se   esqueça   de   mim ,
que   alguém    lhe    cante   mesmo   com    voz    desafinada ,
e    que   lhe    ofereçam    fantasia ,
muito    mais    que   um    horário   certo ,
ou    uma   cama    bem    feita .



Ana   Luisa  Amararal
          Maria   Kurbatova

Saturday, September 22, 2012

Alfazema






















O
velho   abutre   é   sábio   e   alisa   as   suas   penas .
A    podridão   lhe   agrada   e   os   seus   discursos  ,
têm   o   dom   de   tornar   as   almas   mais   pequenas .


Sophia  de  Mello  Breyner

Saturday, September 15, 2012

Violetas






















A
felicidade   sentava - se  todos   os  dias
no   peitoril  da   janela  .

Tinha   feições   de   menino  inconsolável.
Um   menino   impúbere ,
ainda  sem   amor   para   niguém ,
gostando  apenas   de  demorar   as  nãos
ou   de  roçar   lentamente   o   cabelo
pelas   faces   humanas .

E   como   menino   que   era ,
achava  um   grande   mistério  no   seu
próprio   nome .


Jorge  de   Sena

Saturday, September 08, 2012

Alfazema















Ó
Portugal  ,   se   fosses   só   três   silavas  . . .
linda   vista    para    o    mar .


Alexandre  O´Neill

Sunday, September 02, 2012

Violetas



















Tenho   o  nome  de  uma  flor
quando  me  chamas .
Quando  me  tocas  ,  nem  eu  sei
se   sou  água  ,  rapariga  ,  ou  algum  pomar  que  atravessei .



Eugénio  de  Andrade

Monday, August 27, 2012

Alfazema



















Há pessoas que com uma só palavra
despertam ilusões e roseirais ,
que com um mero sorriso nos olhos
nos convidam a viajar por outras terras ,
nos dão a conhecer toda a magia do mundo.

Há pessoas que com um mero toque
quebram a solidão , põem a mesa ,
servem um banquete e colocam grinaldas ,
que com uma simples viola
fazem uma sinfonia caseira.

Há pessoas a quem basta abrir a boca
Para tocar nos confins da alma ,
alimentar uma flor , inventar sonhos ,

fazer cantar o vinho nas pipas
como se fosse a coisa mais simples do mundo .
E assim vamos de braço dado com a vida ,
Desterrando uma morte solitária ,
Pois  sabemos que ao virar da esquina

Há pessoas assim ,
tão
necessárias .



Hamlet Lima Quintana 

Thursday, August 09, 2012

Violetas























Há noites que são feitas dos meus braços ,
e um silêncio comum às violetas .
E há sete luas que são sete traços 
de sete noites que nunca foram feitas .
Há noites que levamos à cintura como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
duma espada à bainha de um cometa.
Há noites que nos deixam para trás enrolados no nosso desencanto ,
e cisnes brancos que só são iguais à mais longínqua onda de seu canto.
Há noites que nos levam para onde o fantasma de nós fica mais perto
e é sempre a nossa voz que nos responde ,

só o nosso nome estava certo !



Natália Correia

Wednesday, August 01, 2012

Alfazema






















Quando é que passará esta noite interna , o universo ,
E eu , a minha alma , terei o meu dia ?
Quando é que despertarei de estar acordado ?
Não sei .
O sol brilha alto ,
Impossível de fitar .
As estrelas pestanejam frio ,
Impossíveis de contar .
O coração pulsa alheio ,
Impossível de escutar .
Quando é que passará este drama sem teatro ,
Ou este teatro sem drama ,
E recolherei a casa ?
Onde ?
Como ?
Quando ?
Gato que me fitas com olhos de vida ,
Quem tens lá no fundo ?
É esse !
É esse !
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei . . .
E então será dia .
Sorri, dormindo , minha alma !
Sorri , minha alma , será dia !




Álvaro de Campos

Wednesday, July 25, 2012

Violetas

















Deito fora as imagens ,
Sem ti para que me servem
as imagens ?


Preciso habituar-me
a substituir-te
pelo vento ,
que está em toda a parte
e cuja direcção
é igualmente passageira
e verídica .


Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta ,
ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisíveis ,
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a não ser eu .


Serei feliz sem as imagens .
As imagens não dão
felicidade a ninguém .


Era mais difícil perder-te ,
e , no entanto , perdi-te .


Era mais difícil inventar-te ,
e eu te inventei .


Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti .


E hei-de ser feliz ainda que
isso não seja ser feliz .





Raul  de  Carvalho

Sunday, July 22, 2012

Alfazema






















Os dias sem ninguém
pequeníssimos recados escritos à pressa
amachucados nos dedos  . . . 


         foi bela a madressilva

         subindo pela noite da morada esquecida   .






Al   Berto

Friday, July 20, 2012

Violetas

















Não me peçam razões , que não as tenho ,
Ou darei quantas queiram  . . .bem sabemos
Que razões são palavras , todas nascem
Da mansa hipocrisia que aprendemos .

Não me peçam razões por que se entenda
A força de maré que me enche o peito ,
Este estar mal no mundo e nesta lei  . . .
Não fiz a lei e o mundo não aceito .

Não me peçam razões , ou que as desculpe ,
Deste modo de amar e destruir . . .
Quando a noite é de mais é que amanhece
A cor de primavera que há-de vir . . .





José   Saramago

Friday, July 13, 2012

Alfazema






















Tapas  os  caminhos  que  vão  dar  a  casa
Cobres os vidros das janelas
Recolhes os cães para a cozinha
Soltas os lobos que saltam as cancelas .

Pões guardas atentos espiando no jardim
Madrastas nas histórias inventadas ,
Anjos do mal voando sem ter fim ,
Destróis todas as pistas que nos salvam .



Depois secas a água e deitas fora o pão ,
Tiras a esperança  ,
Rejeitas a matriz  ,

E quando já só restam os sinais  ,
Convocas devagar os vendavais . 




Maria Teresa Horta

Friday, July 06, 2012

Violetas















Felizmente
as   palavras   ás  vezes   também   diminuem .
O   mar ,  por   exemplo ,
para   caberem   nele  os   náufragos   e   os   rios .




José  Gomes  Ferreira

Saturday, June 30, 2012

Alfazema

















Dai - nos , meu Deus ,
um    pequeno   absurdo  quotidiano que   seja ,
que  o   absurdo   ,  mesmo   em   curtas   doses   ,
defende   da   melancolia  ,
e
nós   somos   tão   propensos   a    ela  !


Alexandre  O´Neill

Friday, June 22, 2012

Violetas

















Creio nos anjos que andam pelo mundo ,
creio na deusa com olhos de diamante .
Creio em amores lunares com piano de fundo ,
Creio nas lendas , nas fadas , nos atlantes .
Creio num engenho que falta mais fecundo
De harmonizar as partes dissonantes .
Creio que tudo é eterno num segundo .
Creio nun céu futuro que houve dantes . 
Creio nos deuses de um astral mais puro ,
creio na flor humilde que se encosta ao muro ,
creio na carne que enfeitiça o além .
Creio no incrível , nas coisas assombrosas ,
Na ocupação do mundo pelas rosas ,
Creio que o amor tem asas de ouro .
 Amém.




Natália  Correia

Friday, June 15, 2012

Alfazema






















Quando  estendia  a  mão 
para  um  fruto  na  árvore ,
era  como  se  sem  pudor  ,  procurasse
     o   centro   da   Terra .




Fiama   Pais  Brandão

Saturday, June 09, 2012

Violetas




















As árvores que eu vejo em vez de fruto dão pássaros .
Os pássaros são o fruto mais vivo das árvores .
Os pássaros começam onde as árvores acabam .


Os pássaros fazem cantar as árvores .




 Ruy Belo

Thursday, June 07, 2012

Alfazema


















Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras
/
Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra





Sophia de Mello Breyner 

Friday, June 01, 2012

violetas


















A rectidão  da  água ,
/
o laço , mesmo , das  portas  só
entre

abertas ,  onde  a  luz
silenciosa  se  demora .

São  memórias , decerto , de  um anterior
esquecimento , uma  inocente
fadiga  das  coisas ,

como  os   corpos  calados , abandonados
na  véspera  da guerra , o  teu
jeito  para

o desalinho  branco  das  palavras ,
altas  as
asas  de   nuvens no clarão do céu

em  vão  rigor  abrindo
o  destinado  enigma ...  assim
desconhecer-te  cada  dia  mais

ausente  de  recados  e  colheitas ,
em  assustado  bosque,  em  sombra
clareira ,

ao risco dos rios frívolos descendo
seixos polidos , desinscritos ,
imóveis movendo

a  luz  do  dia ...
a  margem  recortada , aonde  vivem
ausentes  e  seguros , os luminosos
animais  do  inverno .


Assim  são  na  verdade  os  muros claros ,
assim  respira  o  tempo , a  terra intensa.





António Franco Alexandre

Monday, May 28, 2012

Alfazema

















Os homens temem as longas viagens ,
/
Por isso os seus passos os levam
de regresso a casa , às veredas da infância ,
ao velho portão em ruína , à poeira
das primeiras , das únicas lágrimas .

Quantas vezes em
desolados quartos de hotel

esperei em vão que me batesses à porta ,
voz da infância , que o teu silêncio me chamasse
!
/
Agora só quero dormir um sono sem olhos
/

Só quero um sítio onde pousar a cabeça .




Manuel António Pina

Friday, May 25, 2012

Violetas



















Mão que fala
que nega
que acusa
que oferece
Mão que trata
que acaricia
que aplaude
que cumprimenta
Mão que oculta
que rouba
que bate
que mata
Mão que reza
Que suplica
Que alimenta
Que representa
Mão que desenha
que molda
que pinta
que talha
Mãos sujas na riqueza
Mãos limpas, na pobreza
Mãos lavadas do rico
Mãos enegrecidas do pobre
Mãos no peito, falsidade
Mãos fechadas, avareza
Mãos nas costas, moleza
Mãos nos bolsos, preguiça
Mão oleada do mecânico
Mão calejada do cavador
Mão tratada do escriturário
Mão escamada do pescador
Mãos com mãos na amizade
Que os povos dêem as mãos
Que os homens se encontrem

Mãos a transportar a oliveira da paz não as armas




C   Valente _ aqui _ _

Friday, May 18, 2012

Alfazema

















E de súbito desaba o silêncio .
É um silêncio sem ti ,

sem álamos , sem luas .

Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas .





Eugénio de Andrade 

Friday, May 11, 2012

Violetas

















Ao triunfo maior ,  avante pois  !
O meu destino é outro  . . .  é alto  e  é  raro.
Unicamente  custa  muito  caro  ...
A tristeza  de  nunca  sermos  dois  . . . 





Mário de Sá  Carneiro 

Friday, May 04, 2012

Alfazema















Quem? O infinito ?


Diz-lhe que entre .
Faz bem ao infinito
estar entre gente .


 Uma esmola?
 Coxeia?
Ao que ele chegou !
Podes dar-lhe a bengala
que era do avô.
 Dinheiro?
Isso não!
Já sei , pobrezinho ,
que em vez de pão
ia comprar vinho . . .
Teima ?
Que topete !
Quem se julga ele
se um tigre acabou
nesta sala em tapete ?
Para ir ver a mãe ?
Essa é muito forte !
Ele não tem mãe
e não é do Norte . . .
Vítima de quê ?


O dito está dito.


Se não tinha estofo ,
quem o mandou ser
infinito ?


Alexandre O’Neill

Saturday, April 28, 2012

Violetas

















Maria era assim simples no que dizia .
O que ela pensava era também assim .
Tudo à sua volta era mesmo assim .

Enquanto um inconturbável fio de cabelo branco
na bela cabeça enternecia lembranças
e também era simplesmente assim.





José  Craveirinha

Wednesday, April 25, 2012

Alfazema



Esta é a madrugada que eu esperava
 O dia inicial inteiro e limpo 
Onde emergimos da noite e do silêncio 
E livres habitamos a substância do tempo.




 Sophia de Mello Breyner  

Friday, April 20, 2012

Violetas


    Da   minha   aldeia  vejo quando da terra se pode ver
     no Universo . . .
    Por isso a minha aldeia é grande como outra qualquer

    Porque eu sou do tamanho do que vejo
    E não do tamanho da minha altura  . . .
    Nas cidades a vida é mais pequena
    que  aqui na minha casa no cimo deste outeiro.
    Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave ,
    escondem o horizonte , empurram nosso olhar para 
     longe  de  todo  o  céu .
    Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar ,
    e tornam-nos pobres porque a única riqueza é ver . 



    Alberto Caeiro  _  O Guardador  de  rebanhos _

Friday, April 13, 2012

Alfazema























Que vens contar-me
se não sei ouvir senão o silêncio 
?



Estou parado no mundo.
Só sei escutar de longe
antigamente ou lá para o futuro.
É bem certo que existo  . . .
Chegou-me a vez de escutar.
Que queres que te diga
se não sei nada e desaprendo ?
A minha paz é ignorar.
Aprendo a não saber . . .
Que a ciência aprenda comigo
já que não soube ensinar.


O meu alimento é o silêncio do mundo
que fica no alto das montanhas
e não desce à cidade
e sobe às nuvens que andam à procura de forma
antes de desaparecer.


Para que queres que te apareça
se me agrada não ter horas a toda a hora ?
A preguiça do céu entrou comigo
e prescindo da realidade como ela prescinde de mim.
Para que me lastimas
se este é o meu auge ?!


Eu tive a dita de me terem roubado tudo
menos a minha torre de marfim.
Jamais os invasores levaram consigo as nossas
torres de marfim.
Levaram-me o orgulho todo
deixaram-me a memória envenenada
e intacta a torre de marfim.


Só não sei que faça da porta da torre
que dá para donde vim.




José  de  Almada  Negreiros