Olho por olho , e o mundo ficará cego .











Mahatma Gandhi









Saber


Vi _Ver .



Thursday, December 29, 2011

Violetas






















Que  
 este  Novo   Ano  seja  portador
do   que   considerem    o    melhor   !

Monday, December 26, 2011

Alfazemas















Vou
dormir  sem outra intenção
além de calar
este cheiro de cânfora  noturno
da   alma . . .


Katia Sebastiani

Tuesday, December 20, 2011

Violetas
























Para   Todos !

Friday, December 16, 2011

Alfazema

















Um pouco mais de sol , eu era brasa ,
Um pouco mais de azul , eu era além.
Para atingir , faltou-me um golpe de asa …
Se ao menos eu permanecesse aquém …
/
De tudo houve um começo … e tudo errou …
Ai a dor de ser , quase , dor sem fim …
Eu falhei-me entre os mais , falhei em mim  ...
Asa que se elançou mas não voou …

Momentos de alma que , desbaratei …
Templos aonde nunca pus um altar …
Rios que perdi sem os levar ao mar …
Ânsias que foram mas que não fixei …

Se me vagueio , encontro só indícios …
Ogivas para o sol , vejo-as cerradas .
E mãos de herói , sem fé , acobardadas ,
Puseram grades sobre os precipícios …

Num ímpeto difuso de quebranto ,
Tudo encetei e nada possuí …
Hoje , de mim , só resta o desencanto
Das coisas que beijei mas não vivi …


Um pouco mais de sol , e fora brasa ,
Um pouco mais de azul , e fora além .
Para atingir faltou-me um golpe de asa …
Se ao menos eu permanecesse aquém …




Mário  de  Sá  Carneiro

Friday, December 09, 2011

Violetas


















Um  bom  poema . . .   . . .  é  aquele   que   nos dá  a   impressão   que está  lendo  a  gente  . . .  
não    a  gente  a  ele  !



Mário  Quintana

Friday, December 02, 2011

Alfazema






















Noite  fora ,  noite  fora .
Acordaremos ,  já  sei  ,  transparentes  e  sábios ,
do   outro  lado  da  criação   do   mundo . . .
Uma   mão  presa  à  luz   outra   nas   trevas ,
um   só   tronco   de  chamas ,   uma   asa   .




António  Franco   Alexandre

Friday, November 25, 2011

violetas





















Fernando  Pessoa   inventava   amigos   porque
[ assim   dizia  ]
não  tinha  amigos  verdadeiros .

Nós   não   criamos   amigos   porque   os   temos
reais ,  concretos  e
banais .

Mas   inventamos   o   amigo   no   amigo ,
o   amado   no   amado ,
e   sobre   essas   ficcões   fazemos   versos .

Todo   aquele   com   quem   algo   dividimos ,
é   para   nós   só   o   que   dele   supomos
ou   sonhamos ]
ou   o   que   nele    vemos   e   amamos .

De   como   o   fingimento   é    para   todos ,
uma    arte   involuntária  !


Luisa   Freire

Friday, November 18, 2011

Alfazema .













Cala   os  olhos ,  vagabundo . . .

Não me digas
que há estradas no mundo
sem urtigas.


Não me contes
que nascem astros nos vales
para além dos horizontes.


Não me fales de haver poentes
com as cores ardentes
das penas de um galo.


Não me tentes , vagabundo.


Não quero ver o mundo .
Prefiro imaginá-lo .




José Gomes Ferreira

Friday, November 11, 2011

violetas






















Dois cavalos   a   par   eu   conduzia  . . .
Não   me   guiava   a   mim ,  mas   meus   cavalos .

E   no   país   do   espanto   e   do   tumulto
Em   mim   se   desuniu  ,  o   que   eu   unia  .



Sofia de Mello Breyner

Friday, November 04, 2011

Alfazema






















No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar . . .


um estribilho antigo ,
um carinho no momento preciso ,
o folhear de um livro de poemas ,
o cheiro que tinha um dia  ,   o próprio vento ...



Mario Quintana

Friday, October 28, 2011

violetas


Não tenho pressa .
Pressa de quê ?
Não têm pressa o sol e a lua ...  estão certos .
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas ,
Ou que , dando um pulo , salta por cima da sombra.
Não ... não sei ter pressa .
Se estendo o braço , chego exactamente aonde o meu braço chega .
Nem um centímetro mais longe .
Toco só onde toco , não aonde penso .
Só me posso sentar aonde estou .
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras ,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa ,
E vivemos vadios da nossa realidade .
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui .




Alberto Caeiro  _  Poemas Inconjuntos _

Friday, October 21, 2011

Alfazema




















Viver sempre também cansa  !

E obrigam-me a viver até à morte .

Pois não era mais humano
Morrer por um bocadinho ,
De vez em quando ,
E recomeçar depois ,
Achando tudo mais novo ?

Ah  !  Se eu podesse suicidar-me por seis meses  . . .
/

José   Gomes   Ferreira


Ou   até   um   pouco   mais  . . .    . . .

Saturday, October 15, 2011

Violetas












Tu  já  me  arrumaste  no  armário dos  restos ,
eu  já  te  guardei  na  gaveta dos corpos  perdidos ,
e
das  nossas  memórias  começamos  a  varrer
as  pequenas  gotas  de  felicidade   que   já  fomos .

Mas  no  tempo  subjectivo ,
tu  és  ainda  o  meu  relógio  de  vento  ,
a  minha  máquina  aceleradora  de  sangue .
E  por quanto  tempo  ainda ,
as  minhas  mãos  serão  para  ti
o  nocturno  passeio  do  gato no telhado ?


Isabel   Meyrelles

Friday, October 07, 2011

Alfazema





















Contrariamente aos outros pássaros , o melro não canta ... ri-se.
O melro é uma gargalhada semovente
voando entre as moitas ,
dexando farrapos de riso a esvoaçar nos ramos.


Pois bem. Alguém que odeia o riso
encerrou o melro na gaiola.
Alguém a quem o riso à solta fazia especie
quis ter aquele riso encarcerado ,
à mão de semear.


Alguém capturou o melro e o meteu ,
embrulhado no negrume da plumagem ,
na gaiola , e pôs a gaiola na varanda .
Por maior escárnio , já se vê.


Nos primeiros tempos o melro não cantou
_ quero dizer , o melro não se riu .
Quem quer perde o sentido de humor
cerrado numa gaiola.


Mas com o tempo , o silêncio foi-lhe pesando
à medida que ímpetos de riso borbulhavam
com crescente intensidade junto ao bico .
Até que o riso explodiu ,
saltou fora como a rolha da garrafa de champanhe ,
e eis a gaiola cheia de canto _ perdão , de riso .


Nisto , os melros são como as outras aves ,
soltam a voz para dizer ... este lugar é meu ,
quem quiser disputar-mo tem que se haver comigo .
Dizem-no geralmente a propósito de lugares amplos ,
onde caibam voos inteiros e que valha
a pena defender de intrometidos .


Mas o melro na gaiola aprende depressa
a proporcionar o voo e a voz ao espaço que tem .
O impulso é maior do que o espaço disponível .
E canta _isto é , ri-se , como se fosse dono
duma fatia de mundo razoável.


Para o melro ,
a gaiola é mesmo assim um espaço
que vale bem a pena defender a gargalhadas .


Lição a reter ... as expectativas
são um lugar
só aparentemente degradável .
Podem sempre encolher , mas nunca morrem .


E todavia ,
as risadas do melro na gaiola
fazem-se rasgões por dentro
como se em vez de riso fossem pranto .


Porque eu sou como ele ...
alguém me reduziu o tamanho do quintal ,
até o quintal ficar isto que se vê ,
e eu a defendê-lo a golpes de riso.

Como o melro ... tal e qual !




A  M.Pires  Cabral

Friday, September 30, 2011

Violetas

Porque vieste ?
Não chamei por ti !
Era tão natural o que eu pensava ,
Nem triste , nem alegre , de maneira
Que pudesse sentir a tua falta ...
E tu vieste ,
Como se fosses necessária !


Poesia  
nunca mais venhas assim  ...
Pé ante pé , cobardemente oculta
nas ideias mais simples .
Nos mais ingénuos sentimentos ...
Um sorriso , um olhar , uma lembrança ...
_ Não sejas como o Amor !


É verdade que vens , como se fosses
uma parte de mim que vive longe ,
Presa ao meu coração
Por um elo invisível .
Mas não regresses mais sem que eu te chame ,
_ Não sejas como a Saudade !


De súbito , arrebatas-me , através
De zonas espectrais , de ignotos climas .
E , quando desço à vida, já não sei
Onde era o meu lugar ...
Poesia
 nunca mais venhas assim .
_ Não sejas como a Loucura !


Embora a dor me fira , de tal modo
Que só as tuas mãos saibam curar-me ,
Ou ninguém , se não tu , possa entender
O meu contentamento ...
Não venhas nunca mais sem que eu te chame .
_ Não sejas como a Morte !



Carlos   Queirós

Saturday, September 24, 2011

Alfazema

Não fugir.
Suster  o  peso  da  hora  ,  sem palavras minhas e sem os sonhos
fáceis , e  sem  as  outras  falsidades .
Numa espécie de morte mais terrível
ser de mim despojado ,  ser
abandonado aos pés ,  como um vestido .

Sem pressa atravessar a asfixia .
Não vergar .
 Suster o peso da hora
Até soltar sua canção intacta   ...



Cristovam   Pavia

Friday, September 16, 2011

Violetas





















Sozinho  de  brancura , eu  vago ...
Asa
de  rendas  que   entre  cardos  só flutua  ...
Triste  de  mim ,  que  vim  de  alma  prà  rua ,
E  nunca  a  poderei  deixar  em  casa ...




Mário de Sá  Carneiro

Saturday, September 10, 2011

Alfazema





















Tenho quarenta janelas,
nas paredes do meu quarto ,
sem vidros nem bambinelas ,
posso ver através delas ,
o mundo em que me reparto.


Por uma entra a luz do sol ,
por outra a luz do luar ,
por outra a luz das estrelas ,
que andam no céu a rolar.


Por esta entra a Via Láctea ,
como um vapor de algodão ,
por aquela a luz dos homens ,
pela outra a escuridão.


Pela maior entra o espanto ,
pela menor a certeza ,
pela da frente a beleza ,
que inunda de canto a canto.


Pela quadrada entra a esperança ,
de quatro lados iguais
quatro arestas , quatro vértices ,
quatro pontos cardeais.


Pela redonda entra o sonho ,
que as vigias são redondas ,
e o sonho afaga e embala ,
à semelhança das ondas.


Por além entra a tristeza ,
por aquela entra a saudade ,
e o desejo, e a humildade ,
e o silêncio, e a surpresa.


E o amor dos homens , e o tédio ,
e o medo , e a melancolia ,
e essa fome sem remédio ,
a que se chama poesia .


E a inocência , e a bondade ,
e a dor própria , e a dor alheia ,
e a paixão que se incendeia ,
e a viuvez , e a piedade.


E o grande pássaro branco ,
e o grande pássaro negro ,
que se olham obliquamente ,
arrepiados de medo .


Todos os risos e choros ,
todas as fomes e sedes ,
tudo alonga a sua sombra ,
nas minhas quatro paredes.

Oh janelas do meu quarto ,
que vos pudesse rasgar ,
com tanta janela aberta ,
falta-me a luz e o ar .





António Gedeão
Bernard Scholl

Monday, September 05, 2011

Violetas
















Um dia quebrarei todas as pontes
Que ligam o meu ser, vivo e total ,
À agitação do mundo do irreal ,
E calma subirei até às fontes


Irei até às fontes onde mora
A plenitude, o límpido esplendor
Que me foi prometido em cada hora ,
E na face incompleta do amor


Irei beber a luz e o amanhecer,
Irei beber a voz dessa promessa
Que às vezes como um vôo me atravessa,
E nela  cumprirei  todo  o  meu  ser.



Sophia de Mello Breyner

Thursday, September 01, 2011

Alfazema













Venham leis e homens de balanças
mandamentos d'aquém e d'além  mundo.
Venham ordens , decretos e vinganças ,
desça em nós o juízo até ao fundo .
/
Mas quando nos julgarem bem seguros ,
cercados de bastões e fortalezas ,
hão-de ruir em estrondo os altos muros ,
e chegará o dia das surpresas .




José   Saramago  _   Os Poemas Possíveis ,  1966 _

Sunday, August 28, 2011

Violetas













Pela verdade , pelo riso , pela luz, pela beleza ,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza ,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança .
Pela branda melodia do rumor dos regatos .
Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia ,
Pelas flores que esmaltam os campos , pelo sossego dos pastos ,
Pela exactidão das rosas , pela Sabedoria ,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz , eu te invoco ó benigna ,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira ,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História ,
deixa passar a Vida  !



Natália Correia

Sunday, August 07, 2011

Saturday, August 06, 2011

Violetas














Se o meu desgosto é ser , na grande Teia ,
mensagem virtual ou sopro vago ,
talvez me qeiras tu dar o teu rosto,
e eu , no teu corpo me transforme , em alma .


António Franco Alexandre

Wednesday, August 03, 2011

Alfazema














Vem.
Conversemos através da alma.
Revelemos o que é secreto aos olhos e ouvidos.
Sem exibir os dentes,
sorri comigo, como um botão de rosa.
Entendamo-nos pelos pensamentos,
sem língua, sem lábios.
Sem abrir a boca,
contemo-nos todos os segredos do mundo,
como faria o intelecto divino.
Fujamos dos incrédulos
que só são capazes de entender
se escutam palavras e vêem rostos.
Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos desse outro modo.
Como podes dizer à tua mão ...  _  toca _ ,
se todas as mãos são uma ?
Vem , conversemos assim.
Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma.
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma.
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.
Vem, se te interessas ,  posso mostrar-te .


Rumi

Saturday, July 30, 2011

VIoletas













Diz- me devagar coisa nenhuma ,
assim a só presença com que me perdoas  esta  fidelidade  ao  meu  destino .
Quando assim não digas é por mim  que  o  dizes .
 E os destinos vivem - se  como  outra  vida .
Ou como solidão .
E quem lá entra ? E quem lá pode estar
mais que o momento de estar só comigo ?

Diz - me assim devagar ,  coisa nenhuma ...
o que à morte se diria , se ela ouvisse ,
ou se diria aos mortes , se voltassem .


Jorge de Sena _ Quinze poetas portugueses do século XX _

Thursday, July 21, 2011

Alfazema



















Eu queria escrever-te uma carta
amor ,
uma carta que dissesse
deste anseio de te ver ,
deste receio de te perder ,
deste mais que bem querer que sinto
deste mal indefinido que me persegue
desta saudade a que vivo todo entregue . . .
Eu queria escrever-te uma carta
amor,
uma carta de confidências íntimas,
uma carta de lembranças de ti ,
de ti ...
dos teus lábios vermelhos como tacula
dos teus cabelos negros como dilôa
dos teus olhos doces como macongue
dos teus seios duros como maboque
do teu andar de onça
e dos teus carinhos
que maiores não encontrei por aí . . .
Eu queria escrever-te uma carta
amor ,
que recordasse nossos dias na capôpa
nossas noites perdidas no capim
que recordasse a sombra que nos caía dos jambos
o luar que se coava das palmeiras sem fim
que recordasse a loucura da nossa paixão
e a amargura da nossa separação.
Eu queria escrever-te uma carta
amor ,
que a não lesses sem suspirar ,
que a escondesses de papai Bombo
que a sonegasses a mamãe Kiesa .
que a relesses sem a frieza do esquecimento .
uma carta que em todo o Kilombo
outra a ela não tivesse merecimento . . .
Eu queria escrever-te uma carta
amor ,
uma carta que ta levasse o vento que passa
uma carta que os cajus e cafeeiros , que as hienas e palancas , que os jacarés e bagares
pudessem entender
para que se o vento a perdesse no caminho , os bichos e plantas compadecidos do nosso pungente sofrer,
de canto em canto
de lamento em lamento
de farfalhar em farfalhar ,
te levassem puras e quentes , as palavras ardentes , as palavras magoadas
da minha carta
que eu queria escrever-te amor .
Eu queria escrever-te uma carta . . .
Mas , ah , meu amor , eu não sei compreender por que é , porque é , meu bem
que tu não sabes ler ,
e
eu , oh , desespero , não sei escrever , também !



António Jacinto

Thursday, July 14, 2011

Violetas























Não deram resultado todas as esperanças,
que
eu tinha posto nos dias de hoje !


Mas amanhã , se Deus quiser ,
logo de manhã , muito cedinho,
todas as esperanças começam outra vez , à procura da
mimha vez !


Almada   Negreiros

Friday, July 08, 2011

Alfazema
























Não 
há , duas folhas iguais em toda a criação.
Ou nervura a menos , ou célula a mais , não há , de certeza , duas folhas iguais.
Limbo todas têm , que é próprio das folhas.
Pecíolo algumas , bainha nem todas.
Umas são fendidas , crenadas , lobadas , inteiras , partidas ,
 singelas  ,  dobradas.
Outras acerosas , redondas , agudas , macias , viscosas , fibrosas , carnudas.
Nas formas presentes , nos actos distantes , mesmo semelhantes são sempre diferentes.


Umas vão e caem no charco cinzento  , e lançam apelos nas ondas que fazem.
Outras vão e jazem sem mais movimento .
Mas outras não jazem , nem caem , nem gritam ... apenas volitam nas dobras do vento.
É dessas que eu sou .!




António   Gedeão

Friday, July 01, 2011

Violetas
















Eu trago-te nas mãos o esquecimento ,
Das horas más que tens vivido , amor !
E para as tuas chagas o unguento
Com que sarei a minha própria dôr .


Os meus gestos são ondas de sorrento ,
Trago no nome as letras de uma flor .
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento  ...


Dou-te o que tenho ... o astro que dormita ,
O manto dos crepúsculos da tarde,
O sol que é d'oiro, a onda que palpita,


Dou-te comigo o mundo que Deus fez  !
Eu sou aquela de quens tens saudade ,
A princesa do conto ... " Era uma vez ... "




Florbela Espanca

Friday, June 24, 2011

Alfazema















Vós que lá do vosso Império
prometeis um mundo novo ,
calai-vos , que pode o povo
qu'rer um mundo novo a sério.

Que importa perder a vida
em luta contra a traição ,
se a razão mesmo vencida ,
não deixa de ser razão .

P'ra mentira ser segura
e atingir profundidade
tem de trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.

Há luta por mil doutrinas .
Se querem que o mundo ande ,
Façam das mil pequeninas
Uma só doutrina grande .

Sem que discurso eu pedisse,
ele falou, e eu escutei.
Gostei do que ele não disse ,
do que disse não gostei.

Nas quadras que a gente vê ,
quase sempre o mais bonito
está guardado pr'a quem lê
o que lá não está escrito !


António  Aleixo _  Este livro  que  vos  deixo _

Saturday, June 18, 2011

violetas




































Venham leis e homens de balanças ,
mandamentos d'aquém e d'além mundo .
Venham ordens , decretos e vinganças ,
desça em nós o juízo até ao fundo .


Nos cruzamentos todos da cidade
a luz vermelha brilhe inquisidora ,
risquem no chão os dentes da vaidade
e mandem que os lavemos a vassoura.


A quantas mãos existam peçam dedos
para sujar nas fichas dos arquivos .
Não respeitem mistérios nem segredos
que é natural os homens serem esquivos .


Ponham livros de ponto em toda a parte ,
relógios a marcar a hora exacta .
Não aceitem nem queiram outra arte
que a prosa de registo , o verso acta.


Mas quando nos julgarem bem seguros ,
cercados de bastões e fortalezas ,
hão-de ruir em estrondo os altos muros
e chegará o dia das surpresas .




José Saramago _ Os Poemas Possíveis , 1966 _

Sunday, June 12, 2011

alfazema














Pinta primeiro uma gaiola
com a porta aberta .
pinta a seguir
qualquer coisa bonita ,
qualquer coisa simples ,
qualquer coisa bela ,
qualquer coisa útil ,
para o pássaro.
Agora encosta a tela a uma árvore
num jardim
num bosque
ou até numa floresta .
esconde-te atrás da árvore
sem dizeres nada ,
sem te mexeres…
às vezes o pássaro não demora ,
mas pode também levar anos
antes que se decida.
Não deves desanimar ,
espera .
espera anos se for preciso .
a rapidez ou a lentidão da chegada
do pássaro não tem qualquer relação
com o acabamento do quadro.
Quando o pássaro chegar ,
se chegar ,
mergulha no mais fundo silêncio .
espera que o pássaro entre na gaiola
e quando tiver entrado
fecha a porta devagarinho .
com o pincel ,
depois ,
apaga uma a uma todas as grades
com cuidado não vás tocar nalguma das penas .
Faz a seguir o retrato da árvore
escolhendo o mais belo dos ramos
para o pássaro .
pinta também o verde da folhagem a frescura do vento
e agora espera que o pássaro se decida a cantar .
se o pássaro não cantar
é mau sinal .
é sinal que o quadro não presta .
mas se cantar é bom sinal ,
sinal de que podes assinar .
então arranca  , com muito cuidado ,
uma das penas do pássaro ,
e escreve o teu nome num canto do quadro .




Jacques  Prévert

Friday, June 10, 2011

violetas





Mudam-se os tempos , mudam-se as vontades ,
Muda-se o ser, muda-se a confiança . 
Todo o Mundo é composto de mudança ,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades ,
Diferentes em tudo da esperança .
Do mal ficam as mágoas na lembrança ,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto ,
Que já coberto foi de neve fria ,
E em mim converte em choro o doce canto .
E , afora este mudar-se cada dia ,
Outra mudança faz de mor espanto ...
Que não se muda como soía.


Luis  Vaz   de   Camões 

Tuesday, May 31, 2011

Alfazema


















Deito - me  tarde
Espero  por  uma especie de silêncio
que nunca  chega  cedo
Espero a atenção a concentração da hora tardia
Ardente e nua .
É então que os espelhos acendem o seu segundo brilho
é então que se vê o desenho do vazio
É então que se vê subitamente
a nossa  mão  poisada sobre a mesa .

É então que se vê passar o silêncio

Navegação antiquíssima e solene .



Sofia de Mello Breyner

Friday, May 27, 2011

Violetas





Se tanto me dói que as coisas passem ,
é porque cada instante em mim foi vivo
na luta por um bem definitivo ,
em que as coisas de amor se eternizassem .




Sofia de Mello Breyner

Friday, May 20, 2011

Alfazema


Andei pelos caminhos da Vida ,
Caminhei pelas ruas do Destino procurando meu signo .
Bati na porta da Fortuna ,
mandou dizer que não estava.
Bati na porta da Fama ,
falou que não podia atender .
Procurei na casa da Felicidade ,
a vizinha da frente me informou
que ela tinha mudado
sem deixar novo endereço .
Procurei a porta da Fortaleza .
Ela me fez entrar ...
deu-me veste nova ,
perfumou-me os cabelos ,
fez me beber de seu vinho.

Acertei meu caminho.



Cora   Coralina

Thursday, May 12, 2011

Violetas







Nunca compreendi
a caixa de costura.
Testemunha muda
de tardes e gerações ,
poder  feminino sobre o útil  .
No  fundo dos carrinhos e dos dedais ,
devia haver
a esperança.


Pedro Mexia

Thursday, May 05, 2011

Alfazema


Sou uma filha da natureza ...
quero pegar , sentir , tocar , ser .
E tudo isso já faz parte de um todo ,
de um mistério .
Sou uma só... Sou um ser.
E deixo que você seja.
Isso lhe assusta?
Creio que sim.


Mas vale a pena
Mesmo que doa . . .
 Dói só no começo.




Clarice Lispector