Não tenho pressa .
Pressa de quê ?
Não têm pressa o sol e a lua ... estão certos .
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas ,
Ou que , dando um pulo , salta por cima da sombra.
Não ... não sei ter pressa .
Se estendo o braço , chego exactamente aonde o meu braço chega .
Nem um centímetro mais longe .
Toco só onde toco , não aonde penso .
Só me posso sentar aonde estou .
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras ,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa ,
E vivemos vadios da nossa realidade .
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui .
Alberto Caeiro _ Poemas Inconjuntos _
Friday, October 28, 2011
Friday, October 21, 2011
Alfazema
Viver sempre também cansa !
E obrigam-me a viver até à morte .
Pois não era mais humano
Morrer por um bocadinho ,
De vez em quando ,
E recomeçar depois ,
Achando tudo mais novo ?
Ah ! Se eu podesse suicidar-me por seis meses . . .
/
José Gomes Ferreira
Ou até um pouco mais . . . . . .
Saturday, October 15, 2011
Violetas
Tu já me arrumaste no armário dos restos ,
eu já te guardei na gaveta dos corpos perdidos ,
e
das nossas memórias começamos a varrer
as pequenas gotas de felicidade que já fomos .
Mas no tempo subjectivo ,
tu és ainda o meu relógio de vento ,
a minha máquina aceleradora de sangue .
E por quanto tempo ainda ,
as minhas mãos serão para ti
o nocturno passeio do gato no telhado ?
Isabel Meyrelles
Friday, October 07, 2011
Alfazema
Contrariamente aos outros pássaros , o melro não canta ... ri-se.
O melro é uma gargalhada semovente
voando entre as moitas ,
dexando farrapos de riso a esvoaçar nos ramos.
Pois bem. Alguém que odeia o riso
encerrou o melro na gaiola.
Alguém a quem o riso à solta fazia especie
quis ter aquele riso encarcerado ,
à mão de semear.
Alguém capturou o melro e o meteu ,
embrulhado no negrume da plumagem ,
na gaiola , e pôs a gaiola na varanda .
Por maior escárnio , já se vê.
Nos primeiros tempos o melro não cantou
_ quero dizer , o melro não se riu .
Quem quer perde o sentido de humor
cerrado numa gaiola.
Mas com o tempo , o silêncio foi-lhe pesando
à medida que ímpetos de riso borbulhavam
com crescente intensidade junto ao bico .
Até que o riso explodiu ,
saltou fora como a rolha da garrafa de champanhe ,
e eis a gaiola cheia de canto _ perdão , de riso .
Nisto , os melros são como as outras aves ,
soltam a voz para dizer ... este lugar é meu ,
quem quiser disputar-mo tem que se haver comigo .
Dizem-no geralmente a propósito de lugares amplos ,
onde caibam voos inteiros e que valha
a pena defender de intrometidos .
Mas o melro na gaiola aprende depressa
a proporcionar o voo e a voz ao espaço que tem .
O impulso é maior do que o espaço disponível .
E canta _isto é , ri-se , como se fosse dono
duma fatia de mundo razoável.
Para o melro ,
a gaiola é mesmo assim um espaço
que vale bem a pena defender a gargalhadas .
Lição a reter ... as expectativas
são um lugar
só aparentemente degradável .
Podem sempre encolher , mas nunca morrem .
E todavia ,
as risadas do melro na gaiola
fazem-se rasgões por dentro
como se em vez de riso fossem pranto .
Porque eu sou como ele ...
alguém me reduziu o tamanho do quintal ,
até o quintal ficar isto que se vê ,
e eu a defendê-lo a golpes de riso.
Como o melro ... tal e qual !
A M.Pires Cabral
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