Saturday, March 09, 2013
Alfazema
Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói ,
assim me aproximo de ti , Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem .
Tu sabes ,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim .
E não dizemos nada .
Na segunda noite , já não se escondem . . .
pisam as flores ,
matam nosso cão ,
e não dizemos nada.
Até que um dia ,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa ,
rouba-nos a luz ,
e ,
conhecendo nosso medo ,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada .
Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror .
Os humildes baixam a cerviz ,
e nós , que não temos pacto algum
com os senhores do mundo ,
por temor nos calamos .
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante ...
mas manhã , diante do juiz ,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.
Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras .
Mal sabe a criança dizer mãe
e a propaganda lhe destrói a consciência
A mim , quase me arrastam
pela gola do paletó
à porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne aparecer no balcão .
Mas eu sei ,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar , que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado ,
no plantio
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder
mas sempre o temos contra nós .
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo ,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade ,
procurando , num sorriso ,
esconder minha dor
diante de meus superiores .
Mas dentro de mim ,
com a potência de um milhão de vozes ,
o coração grita . . .
MENTIRA !
Eduardo Alves da Costa
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6 comments:
Obrigada por me dares a conhecer este excelente poeta.
Infelizmente, neste momento pesado e triste, tudo está destruído já. Menos a resistência, menos a indignação, menos a raiva.
Bom fim de semana, Maria.
Profundo este poema.....
O que eu gosto desta cor....!!
Beijo
É um grande poema.
Mas que excelente descoberta fizeste!
não conhecia e fiquei encantada!
Bjs
Vivemos tempos danados, Maria. Mas há sempre quem grite, há sempre quem tente preservar a dignidade. Precisamos sair das nossas ilhas, precisamos de nos juntar. Só assim...
Beijo :)
Não vivemos em um mundo isolado....
Profundo beijo Lisette.
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