Friday, October 07, 2011
Alfazema
Contrariamente aos outros pássaros , o melro não canta ... ri-se.
O melro é uma gargalhada semovente
voando entre as moitas ,
dexando farrapos de riso a esvoaçar nos ramos.
Pois bem. Alguém que odeia o riso
encerrou o melro na gaiola.
Alguém a quem o riso à solta fazia especie
quis ter aquele riso encarcerado ,
à mão de semear.
Alguém capturou o melro e o meteu ,
embrulhado no negrume da plumagem ,
na gaiola , e pôs a gaiola na varanda .
Por maior escárnio , já se vê.
Nos primeiros tempos o melro não cantou
_ quero dizer , o melro não se riu .
Quem quer perde o sentido de humor
cerrado numa gaiola.
Mas com o tempo , o silêncio foi-lhe pesando
à medida que ímpetos de riso borbulhavam
com crescente intensidade junto ao bico .
Até que o riso explodiu ,
saltou fora como a rolha da garrafa de champanhe ,
e eis a gaiola cheia de canto _ perdão , de riso .
Nisto , os melros são como as outras aves ,
soltam a voz para dizer ... este lugar é meu ,
quem quiser disputar-mo tem que se haver comigo .
Dizem-no geralmente a propósito de lugares amplos ,
onde caibam voos inteiros e que valha
a pena defender de intrometidos .
Mas o melro na gaiola aprende depressa
a proporcionar o voo e a voz ao espaço que tem .
O impulso é maior do que o espaço disponível .
E canta _isto é , ri-se , como se fosse dono
duma fatia de mundo razoável.
Para o melro ,
a gaiola é mesmo assim um espaço
que vale bem a pena defender a gargalhadas .
Lição a reter ... as expectativas
são um lugar
só aparentemente degradável .
Podem sempre encolher , mas nunca morrem .
E todavia ,
as risadas do melro na gaiola
fazem-se rasgões por dentro
como se em vez de riso fossem pranto .
Porque eu sou como ele ...
alguém me reduziu o tamanho do quintal ,
até o quintal ficar isto que se vê ,
e eu a defendê-lo a golpes de riso.
Como o melro ... tal e qual !
A M.Pires Cabral
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
13 comments:
Estupenda lição!
Um bom fim de semana, MARIA.
Lindo!
No meu quintal os melros voam em liberdade, fazem-me companhia durante práticamente todo o ano, os bambús têm cerca de 9m de altura, por lá existem vários ninhos, é uma morada segura...
Bjs
Cor da Flor!
Que lindo esse texto e como diria o imortal Mario Quintana no seu - Poeminha do contra:
" Todos esses que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!
Beijos
Rua Sem Dono ,
não consigo comentar no seu blog .
Lamento .
Um beijo
surtei foi de fascínio!
...com o perfume e a poesia.
Aline ,
espero que receba o email que lhe enviei , onde a informo que não tenho conseguido comentar no seu blog .
Um beijo,
Maria
Cor da Flor!
Que delicadeza a tua, mas enquanto isso permanecer, pois não sei com corrigi-lo, continuo a ler e a comentar no seu blog, para que eu possa sempre me sentir presente, quer saber: na verdade o que sei fazer de melhor é sempre e irracionalmente me entregar, mesmo que eu saiba que isso é um defeito.
Beijos
Não conhecia e gostei muito. Uma autêntica lição de vida, para não desesperarmos por não conseguirmos tudo aquilo que queremos e da forma como queremos.
Um abraço.
Tudo é relativo, de facto.
E as expectativas também o são.
Excelente poema, mas não conheço o autor, porque acho que nunca li nada dele.
Querida amiga, tem um bom resto de Domingo e uma óptima semana.
Beijos.
Por aqui se conclui que muito temos a aprender com os melros.
Pelo menos... aqui se conta uma bela lição de vida.
Uma semana feliz. Beijinhos
surtei de alegria!
muita alegria para mim, lilaz da violeta, receber o seu comentario lá no a bela emily.
valeu!
abços,
aline
Poxa!! Que maravilhoso caminho que nos mostra essa poesia!
De calar a alma!
Beijo amiga querida
Bea
Post a Comment